Chavistas não veem 'ameaça' em reformas cubanas (matéria publicada pela BBC Brasil dia 16/09/2010)

Políticos e analistas venezuelanos ouvidos pela BBC afirmam que as recentes reformas anunciadas por Cuba não são consideradas uma ameaça pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela.
Na segunda-feira, Cuba anunciou que vai demitir 20% dos funcionários públicos e simplificar as exigências para quem quiser trabalhar por conta própria.
Para o deputado Túlio Jimenez, presidente da Comissão de Política do Congresso venezuelano, as reformas cubanas "não significam o sacrifício do processo revolucionário" e são saídas "necessárias".
"Há uma pesada carga burocrática e o governo esta buscando saídas. A abertura que estão fazendo do ponto de vista econômico são positivas e necessárias", afirmou Jimenez.
A seu ver, as mudanças que indicam uma maior abertura ao capital privado, "não afetam o eixo fundamental da revolução que é a igualdade social", afirmou.
O deputado Saul Ortega, da comissão de Relações Exteriores do Congresso, argumenta que as mudanças anunciadas em Cuba não alteram a condução da política e da economia venezuelanas.
"Nós temos um projeto revolucionário que caminha de acordo com a realidade venezuelana e não está determinado por nenhum elemento exterior", afirmou.
Parceria
As medidas cubanas "não surpreendem" e não deve produzir alterações na relação entre Caracas e Havana, segundo o historiador britânico Richard Gott, autor do livro, Cuba: Uma nova história e da biografia de Chávez À sombra do Libertador.
"Todo mundo sabia, incluindo Chávez e os irmãos Castro que a economia cubana não andava bem", afirmou Gott à BBC Brasil.
Principal aliado de Cuba no hemisfério, a Venezuela se inspira nos ideais socialistas do modelo cubano para a condução de seu projeto de governo. Chávez visita o país regularmente e, mesmo durante o período em que esteve doente, Fidel e Chávez não deixaram de trocar correspondências, que logo se tornavam públicas pelo presidente venezuelano.
A aliança Chávez-Fidel garante à Venezuela a manutenção de um dos pilares do governo que são os programas sociais chamados "missões", nos quais atuam milhares de médicos, educadores e técnicos cubanos nas áreas de saúde, educação e agricultura.
Em contrapartida, Cuba recebe pagamento em petróleo e derivados, o que tem dado um novo impulso para a economia da ilha nos últimos anos, de acordo com analistas.
No campo econômico, a Venezuela copiou medidas como a nacionalização dos setores da economia considerados estratégicos, como petróleo, eletricidade, telecomunicações, bancário e em parte do setor de alimentos.
Diferenças
As semelhanças na economia terminam ai, na opinião do economista norte-americano Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Pesquisas Políticas e Econômicas (CEPR, na sigla em inglês), com sede em Washington.
Weisbrot afirma que o Estado venezuelano, que absorve 16% da força de trabalho na burocracia estatal, está longe de se inspirar na economia cubana, que atualmente mantém 90% dos empregos do país nas mãos do governo.
"A Venezuela não tem recursos e capacidade para governar uma economia socialista na qual o Estado teria o controle absoluto ( do setor produtivo)", disse ele.
"O governo sabe disso e, portanto, não pretende copiar Cuba."
Eleições e autocrítica
O ex-diretor do Banco Central da Venezuela, Domingo Maza Zavala, discorda de Weisbrot, ao considerar que o governo venezuelano "segue as diretrizes" da revolução cubana. A seu ver, as mudanças em Cuba podem levar à um processo de "autocrítica" na economia e política chavista.
"O governo deve se entender com o setor privado, conter seu ímpeto estatizador e buscar saídas para a crise da economia venezuelana", acrescentou.
Recentemente Fidel Castro disse que foi mal interpretado por um repórter da revista The Atlantic, à qual teria dito que o modelo de comunismo em Cuba "já não funcionava nem mesmo para os cubanos".
As declarações de Fidel e as mudanças de rumo na economia da ilha foram vistas como um "presente" para a oposição venezuelana, a poucos dias das decisivas eleições legislativas de 26 de setembro.
Mas recentes pesquisas de intenção de voto apontam que a base governista deve conquistar mais de 50% das cadeiras do Congresso.