O sucesso das políticas do governo brasileiro para
tirar milhões de pessoas da pobreza na última década vem provocando a
criação de dois tipos opostos de classe média, afirma reportagem
publicada nesta quinta-feira pelo diário econômico britânico Financial Times.
O jornal observa que os 33 milhões de
brasileiros que deixaram a pobreza para integrar a nova classe média
emergente foram os grandes beneficiados pelas políticas oficiais,
enquanto a classe média tradicional considera que a situação no período
ficou mais difícil.
“Os preços da carne e da gasolina
dobraram, pedágios nas estradas subiram e comer fora ou comprar imóveis
ficou proibitivamente caro”, lista a reportagem.
O jornal comenta que 105,5 milhões dos 190
milhões de brasileiros são considerados hoje de classe média, mas que os
20 milhões da classe média tradicional, com renda mensal maior que R$
5.174, estão “no lado perdedor”.
“Diferentemente da Índia, onde a antiga classe
média se beneficiou com a criação de novas indústrias, como o
fornecimento de serviços terceirizados de tecnologia da informação,
muitos na classe média brasileira reclamam de aumentos de preços,
impostos, infraestrutura congestionada e mais competição por empregos”,
diz a reportagem.
O jornal cita o economista da Fundação Getúlio
Vargas Marcelo Neri, que se dedica a estudar a classe média, segundo o
qual a renda dos 50% mais pobres cresceu 68% em termos reais nos últimos
dez anos, enquanto os 10% mais ricos viram sua renda crescer somente
10% no período.
Ele destaca ainda outro dado ainda mais
revelador, que mostra que a renda média dos analfabetos brasileiros
cresceu 37% entre 2003 e 2009, enquanto aqueles com estudo universitário
tiveram uma perda de 17% na renda no mesmo período.
Na avaliação de Neri ao jornal, as mudanças
representam um reordenamento da riqueza no país que estava pendente
desde a abolição da escravatura, em 1888.
A reportagem afirma que “o processo tem sido em
parte impulsionado pelo maior acesso à educação”, com o aumento da
oferta de cursos universitários privados à nova classe média, que passou
a competir com a classe média tradicional por empregos.
Dilma Rousseff lançou recentemente plano para tirar mais 16 milhões de pessoas da pobreza
O jornal observa que o efeito político da
redução da pobreza levou a presidente Dilma Rousseff a lançar
recentemente um programa para retirar outros 16 milhões de brasileiros
da pobreza, mas afirma que isso não garantirá a ela os votos da classe
média tradicional, concentrada nos Estados industrializados do sul do
país, especialmente em São Paulo.
“Alguns reclamam que o governo ajuda os pobres
por meio de benefícios e aumentos salariais e os ricos por meio de
empréstimos subsidiados para suas empresas”, diz a reportagem.
“Isso inunda a economia com dinheiro, levando à
inflação, a qual o Banco Central tenta então combater com aumentos de
juros, penalizando a classe média”, continua o Financial Times.
A reportagem conclui afirmando que “enquanto
muitos nas classes médias tradicionais do Brasil concordam com a
distribuição de renda, eles estão temerosos sobre o quanto isso está
lhes custando”.